terça-feira, 31 de julho de 2007

Alfabetização e letramento

Alfabetização e letramento

Letramento e alfabetização- onde está a diferença?A alfabetização, como já mencionamos, se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo. Enquanto o letramento “focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI, 1995), e ainda, é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. Um exemplo do que acabamos de mencionar (SOARES, 2003: 56-57):Analfabetismo no primeiro mundo? (...) quando os jornais noticiam a preocupação com altos níveisde ‘analfabetismo’ em países como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra; surpreendente porque: como podem ter altos níveis de analfabetismo países em que a escolaridade básica é realmente obrigatória e, portanto, praticamente toda a população conclui o ensino fundamental(que, nos países citados, tem duração maior que a do nosso ensino fundamental - 10 anos nos Estados Unidos e na França, 11 anos na Inglaterra). É que, quando a nossa mídia traduz para o português a preocupação desses países, traduz illiteracy (inglês) e illetrisme (francês) por analfabetismo. Na verdade, não existe analfabetismo nesses países, isto é, o número de pessoasque não sabem ler ou escrever aproxima-se de zero; a preocupação, pois, não é com os níveis de analfabetismo, mas com os níveis de letramento, com a dificuldade que adultos e jovens revelam para fazer uso adequado da leitura e da escrita: sabem ler e escrever, mas enfrentam dificuldades para escrever um ofício, preencher um formulário, registrar a candidatura a um emprego - osníveis de letramento é que são baixos.O exemplo acima são verificações feitas fora do Brasil, mas demonstra claramente as diferenças entre os dois processos acima citados, inclusive, as diferenças que há em avaliar níveis de letramento e níveis de alfabetização. Apesar da constatação de que os critérios de avaliação deles não se assemelham muito aos nossos quanto à alfabetização, é satisfatório saber também, que já existem mudanças consideráveis em nossos parâmetros, e, o que se observa é que isso tem gerado mudanças sociais e culturais, e por que não dizer, históricas?Ainda quanto às diferenças entre letramento e alfabetização é necessário alertar que, estes dois processos estão diretamente ligados, contudo, devemos separá-los quanto ao seu abarcamento, devido as suas distinções já mencionadas anteriormente. Há verificações de que a concepção de alfabetização também reflete diretamente no processo de letramento. Por outro lado, o que também se observa é que, com freqüência, estes dois de maneira confusa têm sido fundidos como um só processo. Essa confusão implica no exercício de um e de outro. Pois, onde entra a alfabetização?E o letramento? Ou, se trabalham os dois simultaneamente?Se afirmamos que a alfabetização é algo que não tem um ponto final, então dizemos que ela temum continuum, e ainda, poderíamos dizer que este é o letramento. Com isto, acordamos que os dois processos andam de mãos dadas. Não queremos estabelecer uma ordem, ou seqüência, pois já defendemos que todo tipo de indivíduo possui algum grau de letramento, mesmo que seja mínimo.O que pretendemos é incentivar o educador a fazer uso do conhecimento nato de mundo que o educando possui e sua relação com a língua escrita, assim ele poderá alfabetizar letrando.Ao saber de algumas distinções básicas destes dois termos poderíamos, também, levantar questões sobre as desigualdades de alfabetizado para letrado. Uma nota no livro “Letramento: um tema em três gêneros” de Magda Soares (2003: 47) faz um apanhado, sobre o assunto, visto de uma maneira prática e real. O texto exemplifica como um adulto pode até ser analfabeto, contudo, pode ser letrado, ou seja, ele não aprendeu a ler e escrever, todavia, utiliza a escrita para escrever uma carta através de um outro indivíduo alfabetizado, um escriba, mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto que dita o seu texto, logo, ele lança mão de todos os recursos necessários da língua para se comunicar, mesmo que tudo seja carregado de suas particularidades.Ele demonstra com isso que conhece, de alguma forma, as estruturas e funções da escrita.O mesmo faz quando pede para alguém ler alguma carta que recebeu, ou texto que contém informações importantes para ele: seja uma notícia em um jornal; itinerário de transportes; placas; sinalizações diversas. Este indivíduo é analfabeto, não possui a tecnologia da decodificação dos signos, mas, ele possui um certo grau de letramento devido a sua experiência de vida em uma sociedade que é atravessada pela escrita, logo, este é letrado, porém não com plenitude.Esse exemplo nos remete a outro, muito conhecido, que talvez não tenha sido percebido por quem assistiu, é a personagem de Fernanda Montenegro no filme “Central do Brasil” de Walter Salles, que fez uso de sua capacidade de ler e escrever uma profissão, a de “escriba”, já quase desconhecida, em que a personagem escrevia correspondências para pessoas analfabetas emtroca de dinheiro. Os indivíduos que a usavam como ferramenta para se envolver em uma prática social, a de se corresponder, mesmo que indiretamente, utilizavam os códigos da escrita.E, de forma peculiar a sua condição eles demonstram possuir características de grupos letrados.Ainda na nota de Magda Soares (2003: 47) eles também exemplificam o caso de uma criança que mesmo antes de estar em contato com a escolarização, e que não saiba ainda ler e escrever, porém, tem contato com livros, revistas, ouve histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus próprios textos “lidos”, ela também pode ser considerada letrada.E ainda, há casos de indivíduos com variados níveis de escolarização e alfabetização queapresentam níveis baixíssimos de letramento, alguns “quase” nenhum. Estes, são capazes de lere escrever, contudo, não possuem habilidades para práticas que envolvem a leitura e a escrita: não lêem revistas, jornais, informativos, manuais de instrução, livros diversos, receita do médico, bulas de remédios, ou seja, apresentam grandes dificuldades para interpretar textos lidos, como também podem não ser capazes de sequer escrever uma carta ou bilhete. Todavia, gostaríamos de destacar que nessa nota acima mencionada diz também que esse tipo de indivíduo pode ser uma pessoa alfabetizada, mas não é letrada; neste ponto divergimos, por acreditarmos que a possibilidadede uma pessoa possuir grau zero de letramento não exista, em se tratando deste viver em uma sociedade grafocêntrica.Com tudo isso, há pelo menos uma constatação: existem diferentes tipos e níveis de letramento,e estão eles ligados às necessidades e exigências de uma sociedade e de cada indivíduo noseu meio social.

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